Páginas

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Taxistas em Arujá


A Última Viagem de Táxi
(HISTÓRIA REAL OCORRIDA EM CURITIBA NO ANO DE 2003)

“Houve um tempo em que eu ganhava a vida como motorista de táxi. Os passageiros embarcavam totalmente anônimos. E, às vezes, me contavam episódios de suas vidas, suas alegrias e suas tristezas.

Encontrei pessoas que me surpreenderam. Mas, nenhuma como aquela da noite de 25 para 26 de julho do último ano em que trabalhei na praça.

Havia recebido, já tarde da noite, uma chamada vinda de um pequeno prédio de tijolinhos, em uma rua tranqüila, próximo do Largo da Ordem no São Francisco, centro histórico de Curitiba, capital do Paraná.

Quando cheguei ouvia cachorros latindo ao longe. O prédio estava escuro, com exceção de uma única lâmpada acesa numa janela do térreo.

Nestas circunstâncias, outros teriam buzinado duas ou três vezes, esperariam só um pouco e, então, iriam embora. Mas, eu sabia que muitas pessoas dependiam de táxis como único meio de transporte a tal hora. A não ser, portanto, que a situação fosse claramente perigosa, eu sempre esperava. "Este passageiro pode ser alguém que necessita de ajuda", pensei. Assim, fui até a porta e bati.

-"Um minutinho", respondeu uma voz fraca e idosa.

Ouvi alguma coisa ser arrastada pelo chão... Depois de uma pausa longa, a porta abriu-se. Vi-me então diante de uma senhora bem idosa, pequenina e de frágil aparência. Usava um vestido estampado e um chapéu bizarro daqueles usados pelas senhoras idosas nos filmes da década de 40! E se equilibrava numa bengala, enquanto segurava com dificuldade uma pequena mala.

Dava para ver que a mobília estava toda coberta com lençóis.  Não havia relógios, roupas ou adornos sobre os móveis. Num canto jazia uma caixa aberta com fotografias e vidros. A velha senhora, esboçando então um tímido sorriso de quem já havia perdido todos os dentes, pediu-me:
-“O senhor poderia me ajudar com  a mala?”

Eu peguei a mala e ajudei-a caminhar lentamente até o carro. E enquanto se acomodava ela ficou me agradecendo.

-"Não é nada, apenas procuro tratar meus passageiros do jeito que gostaria que tratassem minha velha mãe”.

-" Oh!, você é um bom rapaz!"

Quando embarcamos, deu-me um endereço e pediu:

-"O senhor poderia ir pelo centro da cidade?"

-"Este não é o trajeto mais curto", alertei-a prontamente.
-"Eu não me importo. Não estou com pressa. Meu destino é o último, o asilo dos velhos". Surpreso, eu olhei pelo retrovisor. Os olhos da velhinha brilhavam marejados.

-"Eu não tenho mais família e o médico me disse que tenho muito pouco tempo".

Disfarçadamente desliguei o taxímetro e perguntei:

-"Qual o caminho que a senhora deseja que eu tome?"

Nas horas seguintes nós dirigimos por toda a cidade. Ela mostrou-me o edifício na Barão do Cerro Azul em que havia, em certa ocasião, trabalhado como ascensorista. Nós passamos pelas cercanias do Centro Cívico, em que ela e o esposo tinham vivido como recém-casados. E também pela Pérpetuo Socorro no Alto da Glória, onde iam sempre e onde também comemoraram Bodas de Ouro.

Ela pediu-me que passasse em frente a uma loja na Dr. Muricy com a José Loureiro, que ela dizia ser um clube alemão, que tinha um grande salão de dança que ela frequentara quando mocinha.

De vez em quando, pedia-me para dirigir vagarosamente em frente a um edifício ou esquina.  Era quando ficava então com os olhos fixos na escuridão, sem dizer nada. E olhava, olhava e suspirava... E assim rodamos a noite inteirinha.

Passamos por parques, praças, restaurantes, tudo o que vinha vindo na imaginação da doce senhorinha. Quando o primeiro raio de sol surgiu no horizonte, ela disse de repente:

-"Estou cansada e pronta. Vamos agora!"

Seguimos, então, em silêncio, para o endereço que ela havia me dado. Chegamos a uma casa comum no bairro do Parolin, uma pequena casa de repouso. Duas atendentes caminharam até o taxi, assim que paramos.  Eram amáveis e atentas e logo se acercaram da velha senhora, a quem pareciam esperar.

            Eu abri o porta-malas do carro e levei a pequena valise até a porta. A senhora, já sentada em uma cadeira de rodas, perguntou-me então pelo custo da corrida.

-"Quanto lhe devo?", ela perguntou, pegando a bolsa.

 -"Nada!", eu disse.

-"Você tem que ganhar a vida, meu jovem”

-"Há outros passageiros", respondi. Mas ela insistiu, disse que não precisava mais de dinheiro, e colocou 2.000 reais no bolso da minha camisa.

Eu não quis aceitar, mas ela foi incisiva ao extremo, e quase sem pensar, curvei-me e dei-lhe um abraço. Ela me envolveu comovidamente e devolveu-me com um beijo afetuoso e repleto da mais pura e genuína gratidão e disse:

-"Você deu a mim bons momentos de alegria como não tinha há muito tempo. Visitamos não só lugares, mas momentos que eu vivi. Só Deus é quem sabe o quanto você fez por mim. Obrigada, meu amigo! Mil vezes obrigada.”

Apertei sua mão pela última vez e caminhei até o carro, na Brigadeiro Franco, onde ficava o asilo, e dirigi olhando o centro da cidade amanhecendo ao fundo e não conseguia parar de chorar e pensar como vivemos e ao que damos valor, se daqui não levamos nada. Atrás de mim, uma moça fechava o portão, e eu ainda conseguia vê-la e aos outros velhinhos repousando em cadeiras. Era como o som do término de uma vida... Naquele dia não peguei mais passageiros. Fiquei sem rumo, parei na Av. Pres. Kennedy, perdido nos meus pensamentos. Mal podia falar.

Dois dias depois, tomei coragem e voltei ao asilo para ver como estava a minha mais nova amiga e quem sabe passear com ela de novo. Disseram-me, então, que na noite anterior seu coração parou, e ela adormecera para sempre, em paz e feliz. E fiquei a pensar: se a velhinha tivesse pego um motorista mal-educado e raivoso... Ou, então, alguém que estivesse ansioso para terminar seu turno. Óh, Deus! E se eu houvesse recusado a corrida? Ou tivesse buzinado uma vez e ido embora? Ao relembrar, creio que eu jamais tenha feito algo mais importante na minha vida até então. Em geral nos condicionamos a pensar que nossas vidas são os objetivos e o futuro, mas ela gira em grandes momentos.  Todavia, os grandes momentos freqüentemente nos pegam desprevenidos e ficam guardados em recantos que quase todo mundo considera sem importância, quando nos damos conta, já passou.

As pessoas podem não lembrar exatamente o que você fez, ou o que você disse. Mas, elas sempre lembrarão como você as fez sentirem-se. Portanto, você pode fazer a diferença.”

Alípio Ferreira\esq. e Mauro Benedito Borges\dir. 
      O taxista tem uma profissão fascinante. Além de cortês, bem educado, às vezes até falar uma língua estrangeira, muitas vezes é conselheiro, ouvindo desabafos de uma pessoa que talvez nunca encontre novamente. Em Arujá todos os taxistas se conhecem, afinal são 54 em toda a cidade e os passageiros também conhecem os taxistas embora a cidade tenha crescido muito.
        
    Nos anos 30 e 40 do século passado eram carroças que faziam o transporte de pessoas tendo sido um dos pioneiros Antonio Rodrigues Barbosa, pai de Oswaldo Barbosa Coutinho.
      
      “Fui um dos primeiros taxistas em Arujá. Em 1954 comprei um Ford 51 do João Pires Filho (ex-prefeito de Santa Isabel) e o ponto era na Rua Major Benjamin Franco, uma das únicas ruas da cidade além da Estrada de Santa Isabel (trecho hoje denominado Avenida dos Expedicionários). Éramos quatro: eu, o Pedro, o Talarico e o Ângelo Franco, pai do engenheiro Tadeu de Lima Franco. Era tudo muito tranqüilo, até íamos almoçar e a chave ficava no contato. Ficávamos jogando truco e dominó aguardando os passageiros, mas geralmente as viagens já eram combinadas com antecedência, pois todo mundo se conhecia. A não ser que houvesse algum carro quebrado na Dutra. 

Sergio Mariano Felipe
    Então levávamos o passageiro até São Paulo e guardávamos o carro dele em casa para aguardar o conserto. As viagens eram na maioria até a Pedreira Vicente Matheus, Santa Isabel ou para Aparecida do Norte”, relata Benjamin Manoel, o Beijo, ex-prefeito.
           
   Também foram taxistas o Zé Cumbica, Antonio Frau, Paulo Maiolino, Walter Norte, Onozor Maiolino (pai), João Caxinguelo, João Hilário, José Maiolino, Zé do Brás, Benedito Afonso, Martins, dentre outros.
           
  De acordo com Mauro Benedito Borges, 51anos, taxista há 28 anos e presidente da ATA (Associação dos Taxistas de Arujá), não existe uma unanimidade entre a classe em Arujá, basta ver que dos 54 taxistas, 19 não são associados.

           “Como em toda atividade onde há concorrência, o que predomina na nossa classe é a ordem de chegada ao ponto, a cortesia com o cliente e claro, muitas vezes a negociação do preço final. A bandeirada (taxa de saída do carro) em Arujá é R$ 4,10, o Km rodado R$ 2,50 e a hora parada, R$ 33,00. Isto para viagens dentro do município, que representam 90 % das corridas. Para fora do município a lei faculta a cobrança de mais 50 % sobre o valor apresentado pelo taxímetro. Sendo assim uma viagem até o Condomínio Arujazinho custa em média R$ 15,00, até o Mirante R$ 17,00, até Santa Isabel R$ 75,00, até o Aeroporto de Cumbica R$ 110,00 e até o Aeroporto de Congonhas R$ 160,00”, esclarece Mauro.

           “A vantagem de ser taxista é exercer uma atividade autônoma, porém os familiares sempre ficam apreensivos quanto à questão de segurança pessoal ou acidente nas estradas”, diz Mauro
  
          A estatística nacional determina um taxi para cada grupo de 2.000 habitantes. Sendo assim Arujá deveria ter 40 taxistas, mas a cidade comporta bem o número atual. Embora 10 pontos estejam determinados, somente quatro estão em atividade: Rua Monteiro Lobato, Supermercado Cobal, Rua Adhemar de Barros e Rodoviária.
Ponto de táxis em frente a rodoviária  
          Na Receita Federal o cálculo é baseado com base em 60 % do faturamento declarado, pois os 40 % restantes são deduzidos como forma de auxílio nos custos de manutenção e depreciação do veículo.
  
          Sérgio Mariano Felipe, 58 anos, é taxista há 31 anos e secretário da Associação de Taxistas de Arujá. Com 16 anos chegou a Arujá, vindo de Minas Gerais. Trabalhando no Clube Fiscal tirou a carteira de motorista. Em 1979 ao sair do clube comprou uma licença de taxista como investimento e foi para o Rio de Janeiro trabalhar de motorista para seu cunhado. A Prefeitura avisou que iria cancelar a licença em 30 dias e Serginho iniciou a atividade em Janeiro de 1980 com um Fusca Zero Kilômetro, dando de entrada seu Fusca 1973, pois os taxis não podiam ter mais de 5 anos de uso. Já haviam alguns taxistas em atividade como o Geraldo, o Estevão, o Nelson Maiolino, o Gilberto Barbosa de Moraes. Eram em 22 profissionais.

            Em 1983 o prefeito Toninho da Pamonha aprovou mais 25 licenças para taxistas. Os pontos de taxi da época eram na Rua Monteiro Lobato, Rua José Basílio Alvarenga, Rua Marechal Castelo Branco, Rua Raposo Tavares e Praça Dalila Ferreira Barbosa.

            “Eu trabalhava muito, às vezes das 6 da manhã às 2 horas da madrugada. No primeiro ano rodei mais de 100.000 km. Os ônibus demoravam muito e havia algumas indústrias com muitos funcionários como Jepime, Condugel e Techint. No início eu não recusava passageiro, mas depois que meu primo Murilo foi assassinado em 1986 na Mogi Dutra dentro da sua Brasília branca eu passei a ficar mais cuidadoso e passava a recusar algumas corridas, principalmente para lugares denominados “bocas quentes”. Após alguns incidentes o prefeito da época, o Toninho da Pamonha, instalou uma cabine na Rodoviária para cadastrar os passageiros, mas com o aumento da clientela os próprios taxistas passaram a relaxar e os funcionários foram retirados e a cabine acabou sendo fechada.

  Em 1996 houve uma iniciativa de se montar uma base com rádios e secretária, porém o custo era muito elevado e não houve um consenso entre todos os taxistas. Hoje Deus é o maior defensor do taxista, além da percepção”, diz Serginho, que ensaiou deixar o taxi em 1986, a pedido da mãe, comprando um caminhão, mas retornou logo em seguida.

            Nos anos 90 muitos carros com placas de outras cidades transportavam grupos de passageiros irregularmente da Rodoviária para o Parque Rodrigo Barreto e vice-versa. Surgiu a idéia de normatizar este serviço e os taxistas regularmente instalados na cidade começaram a fazer este tipo de serviço em 1996, no final da gestão do ex-prefeito Zezão da Pamonha.
    
        “A cidade cresceu muito e sempre pegamos um passageiro que não conhecemos. Mas o nosso serviço é esse mesmo. Sou nascido em Arujá, e taxista há 32 anos, mas antes era pedreiro”, diz Gilberto Barbosa de Morais, 59 anos.
       
     Mário Ribeiro da Silva, 54 anos, é arujaense, taxista há 25 anos e ex-militar. Talvez por isso há alguns anos ao ser chamado à delegacia para reconhecer um ladrão que o havia assaltado tentou arrancar a cabeça dele com uma “chave de braço”. A delegada havia perguntado ao ladrão o que ele pretendia fazer se o motorista não tivesse fugido e ele disse que iria matá-lo e levar o carro para um desmanche. Mário teve que se fingir de louco, quebrou toda a delegacia e foi algemado para não ser preso.

Mario Ribeiro da Silva e Gilberto Barbosa de Morais
   “O motorista profissional se aposentava com 25 anos de trabalho, mas hoje precisa de 35 anos, quando não morre antes. Eu mesmo trabalho em média 14 horas por dia para manter o padrão de vida da minha família. Quanto à segurança, deveríamos ter câmeras para filmagem nos pontos de táxi e uma central com rádio. Eu mesmo já sofri quatro assaltos e até já fui jogado no porta malas do meu carro”, comentou Mário.
         
   Em Arujá existem duas taxistas: Laci e Maricélia. O marido de Maricélia foi taxista e faleceu em serviço há 11 anos. Há dois meses resolveu ser taxista, mesmo a contragosto dos filhos que receavam pela sua segurança. “Meus filhos acabaram me apoiando e me arrependo de não ter sido taxista antes, pois o contato com o povo me faz muito bem”, comentou Maricélia que tem 55 anos.
          
  “Sou taxista há 32 anos. Nasci na Fazenda Velha, onde hoje é o Parque Rodrigo Barreto. Trabalhei na Pedreira Paratei, fui motorista, mas o que mais me agradou foi este trabalho”, disse Geraldo Benedito Penha, de 61 anos.
         
   A Câmara Municipal de Arujá já teve até um taxista como vereador. Foi Estevão Ferreira de Almeida, eleito pelo PPB para o período de Janeiro de 1997 a Dezembro de 2000. Hoje ainda continua a trabalhar com o seu táxi.
Maricelia dos Santos

Nenhum comentário:

Postar um comentário