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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Armando Harati


        Era 1966 e eu tinha 16 anos. O efetivo do exército libanês era pequeno, e como milhares de jovens eu estava preocupado com a defesa pessoal, da minha família e com uma eventual invasão de meu país pelos israelenses ou outros povos árabes hostis. Não que fossem considerados inimigos, mas precisávamos estar sempre vigilantes, pois Israel queria expandir o seu território a todo custo e tudo o que acontecia na região acabava explodindo no Líbano. Por isso mesmo eu dividia o meu tempo em um campo de treinamento militar e o serviço na Prefeitura da cidade no período da manhã. O Líbano tem uma posição estratégica na região, com montanhas na fronteira com Israel.

       Nunca esqueço o dia em que manuseando uma granada esta explodiu e além de perder parte de dois dedos, fiquei com vários ferimentos na cabeça. A morte soprou o meu rosto, mas ainda não era o momento porque o destino havia reservado algo para mim.

      Meu avô foi me buscar no hospital e me levou de volta para casa, em Kabelias, no Vale do Bekaa, o cinturão verde do Líbano, onde nasci em 28 de Novembro de 1949.

    Na realidade aquela vida que eu levava como agricultor, cultivando berinjelas e tomates e cuidando do gado da família juntamente com meus 5 irmãos não me satisfazia. Eu queria mais. Desde os 9 anos de idade já tinha o meu próprio dinheiro vendendo os tomates que cultivava. Em 1968 vim para o Brasil, mais precisamente Poá, para começar uma nova vida na casa dos meus tios que ali se instalaram na década de 30 e tinham uma fábrica de estofados.

    No controle de imigração acharam que Armando era mais fácil de se entender do que o meu próprio nome: Ahmad Harati.

    Os meus tios me ofereceram um emprego na fábrica, mas preferi ser mascate. Com a orientação de um vizinho também chamado Armando, e que era mascate fui até a Penha, bairro da cidade de São Paulo, e fiz uma compra de roupas e artigos de cama, mesa e banho. Contei também com a ajuda do proprietário da loja que era árabe, e me ajudou muito, além de confiar em mim, pois descarregou a mercadoria em Poá para receber depois.

      Sem falar português e sem conhecer a região contratei um guia. Saíamos a pé com 2 malas cada um e eu ia aprendendo a língua e a vender. Íamos de Poá até Itaquaquecetuba e redondezas chegando até Arujá. A hora do almoço era complicada pois como sou muçulmano não como qualquer alimento e me alimentava basicamente à base de ovos cozidos e tubaina. Lingüiças e carne de porco, nem pensar.

      As vendas eram anotadas em fichas que além do endereço tinham algumas referências, caso contrário não conseguiria voltar para fazer a cobrança. Após 30 dias ia receber e sempre vendia mais alguma coisa. A minha clientela foi crescendo e passados 6 meses  dispensei o meu guia para poder economizar. Aluguei um quartinho no centro de Itaquaquecetuba de uma cliente chamada Eurides, onde passei a viver.

       Mas como é o destino. Eu estava no Rancho Grande, em Itaquaquecetuba, e peguei um ônibus para o centro da cidade. Dormi e vim parar em Arujá. Era 1969 e não havia Rodoviária. Os ônibus tinham parada próxima à atual Prefeitura e ao acordar perguntei quanto tempo iria demorar para o próximo voltar a Itaquá: “Só daqui a 3 horas”, respondeu o motorista. Como era uma tarde agradável pedi para deixar as malas no ônibus e fui subindo a Av. dos Expedicionários para passar o tempo. Encontrei um salão vazio que fora ocupado pelo Banco Bandeirantes e fui à farmácia ao lado perguntar de quem era o salão. O farmacêutico era o dono do salão e chamava-se João Godoy. Perguntou se eu era árabe pois conhecia Bassan que era meu primo em Poá e a família do senhor Hussein Riman que também conhecia meus tios.  Tendo conquistado a sua simpatia me entregou a chave dizendo que por um aluguel mensal de 1 salário mínimo o salão seria meu.

     Fui até o meu amigo Armando e vendi toda a mercadoria a ele pois no salão iria vender móveis, atividade que alguns parentes exerciam e tiravam um bom lucro. O local desta loja hoje é ocupado pela Nova Era Despachantes. Lá fiz um mezzanino de madeira e me instalei. Na estiagem chegava a tomar banho de “canequinha”, no único banheiro que era dividido com a farmácia do João Godoy.

     Bem, e a mercadoria? Naquela época a confiança era tanta que eu não deixava cheque nem assinava promissória. Simplesmente trazia a mercadoria e pagava na data combinada. Assim vendia colchões de capim, mesas e cadeiras compradas em São Miguel Paulista de um fabricante árabe como eu. As entregas eram feitas com um carrinho de mão até que combinei fretes com o Sr. Onozor Maiolino que tinha um Chevrolet azul e branco ano 1958. Em 1971 a loja já era bem conhecida e muitos fornecedores faziam questão que eu vendesse suas mercadorias.

        Ao lado havia  a Crimar, loja de biquínis e maiôs da Cidália. Como vagou a loja, tratei de aumentar o meu espaço, anexando logo em seguida o bazar da Dagmar Negretti que havia fechado também. Anexei outra loja de roupas de um espanhol chamado Fernando e uma academia que havia ao lado usei como depósito. Assim já estava com 5 portas. Nessa época trabalharam comigo a Flora Santângelo, a Vilma Santângelo, o Rafael, entre outros.

      O ex-prefeito Benedito Manoel dos Santos, mais conhecido como Dito Manoel, me vendeu 2 terrenos na Av. dos Expedicionários que fui pagando em parcelas sempre na mão da sua esposa, dona Antônia, que na época trabalhava no Posto Fiscal. Vi que podia e comprei outros quatro terrenos que havia ao lado. Na construção o Giovani Negretti me ajudou muito no fornecimento do material.

        Em 1978 me mudei para a loja, que estava sem reboque, só no bloco, mas saí do aluguel. Morava lá mesmo e já tinha uma Kombi e alguns montadores de móveis.

        Os companheiros dessa época eram o Toninho da Pamonha e o Zezão que construiam o Rancho da Pamonha e freqüentemente trocávamos favores emprestando uma Kombi ou transportando alguma mercadoria, o Giovani Negretti, o Abel Larini, que era despachante, o Américo Larini, José Carlos Alegri entre outros. A diversão era jogar palitinho na padaria do Amandino (hoje Padaria Central) ou no Tarantella a troco do jantar e das cervejas. Nunca passava das 23:00 horas.

         Já trabalhava com eletrodomésticos e parti para a distribuição para as pequenas lojas, tendo já comprado um caminhão. Durante 5 anos trabalhei no ramo de atacado de móveis e eletrodomésticos, mas resolvi abrir outros pontos de venda: mais um em Arujá,  em Santa Isabel, Igaratá, Nazaré Paulista, Bom Jesus dos Perdões, Aracília e Bonsucesso. Tinha um time de confiança, o depósito central ficou sendo em Arujá e já tinha 3 caminhões e uma “cabrita” (Kombi de carroceria) para entregas mais rápidas. A inadimplência era praticamente nula. Nunca peguei de volta um móvel vendido.

      A cidade cresceu. Mérito da população que acreditou e lutou pelo progresso. Como comerciante tinha acesso a várias pessoas envolvidas na política da cidade e por incentivo do Toninho da Pamonha e do Abel Larini decidi formar um grupo de pessoas para a criação de uma Associação Comercial na cidade, pois só havia em São Paulo e Guarulhos. A nossa cidade foi a primeira da região. Precisávamos de algo mais para agregar à cidade no âmbito comercial. Assim em 1982 fui até a Associação Comercial de São Paulo e fui atendido por seu presidente na época, Guilherme Afif Domingos, hoje vice-governador do Estado, que me entregou a cópia dos Estatutos. Entreguei este material ao Dr. Élcio Cordeiro dos Santos que era o advogado da Prefeitura que adaptou o Estatuto para a nossa Associação Comercial.

           Em 1982 as reuniões eram realizadas numa sala na Rua Maranhão, em frente ao Estádio Municipal, em cima do mercadinho do saudoso José Sanches de Godoy. Hoje chamamos de ACE Arujá (Associação Comercial e Empresarial de Arjá), mas era chamada de ACIPLA (Associação Comercial, Industrial, de Produtores e Liberais de Arujá). Convocados os comerciantes para a primeira eleição, sem outra chapa foram eleitos eu como primeiro presidente, o Silvio Estevam (Papelaria Estrelinha) como vice e o Habib Tannuri como secretário. Habib Tannuri era um representante comercial que freqüentava Arujá, era amigo do Paulo Maluf e adorava esta cidade. Ofereceu a sua sala que ficava na Rua Basílio de Alvarenga, em cima da Sabesp, para as reuniões da ACIPLA.

         Fui vendendo os pontos comerciais e as carteiras de clientes até encerrar a atividade em 1998.

            Fui casado com Rose Murad Harati e tive quatro filhos: Suhala Harati (Terapeuta Ocupacional), Sofia Harati (Fisioterapeuta e Esteticista), Ins Harati (Nutricionista) e Hamud Harati (Designer Digital).

           Acredito em Deus e quando abro o Alcorão sei que naquele momento estou conversando com Ele. Nunca deixo de agradecer a oportunidade que me proporcionou de ter conhecido esta terra. Nunca deixei de apreciar os gostos e sabores da minha terra, mas experimentei arroz com feijão e adorei.

            Alhamdo Lileh Arujá (em português: “Muito obrigado a Deus e ao povo de Arujá”).

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